15 de novembro de 2011


O perfil lucrativo de uma geração sem crianças

Por Jéssica Cruz - 03/11/2010

Casais sem filhos eram 2,7% das famílias brasileiras em 1996. Hoje, eles já representam 4% do total. São mais de 4 milhões de consumidores em busca de comodidade e de novas experiências
O termo Dink (Doble Income, No Kids, no português Duplo Ingresso, Nenhuma Criança) passou a ser usado nos anos 1980 pelo sociólogo Millward Brown. O pesquisador defendia que os jovens casais sem filhos eram a geração do descartável, ou seja, procuravam o prazer momentâneo. Atualmente, a designação é utilizada para denominar um novo arranjo familiar, em que o chefe e o cônjuge trabalham, mas não têm filhos. Isso inclui casais homossexuais, de meia-idade que já criaram os filhos, que não querem ou não podem tê-los, além daqueles que estão adiando a procriação por algum motivo, como carreira, MBA, viagens, entre outros.
No Brasil, os casais Dincs foram o terceiro arranjo familiar que mais cresceu entre 1996 e 2006, com alta de 88,67%. Casais com um (114,70%) ou dois filhos (107,49%) lideram a lista de crescimento. Os dados fazem parte da pesquisa “A Família Dinc no Brasil”, da qual participou José Eustáquio Diniz, professor de mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da ENCE (Escola Nacional de Ciências Estatísticas) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além de constatar que trata-se de um tipo de família em expansão, a pesquisa conclui que os casais Dincs são os que têm maior potencial de consumo. Enquanto a renda mensal média das famílias brasileiras é de R$ 1,6 mil, a dos casais sem filhos é de R$ 2,5 mil. Até 2016, a expectativa é de que o número de casais Dincs dobre.
Para o varejo, o alto poder aquisitivo desse público pode refletir em bons resultados. Isso porque eles compram mais por impulso – devido à falta de tempo, já que ambos trabalham –, mas também porque procuram itens de preparo rápido e estão mais abertos à experimentação de itens novos e diferenciados, em geral com maior valor agregado. “Para o varejo, esse comportamento é interessante porque produtos básicos geram pouco lucro”, explica Marcos Carvalho, diretor de Conhecimento do Consumidor do Walmart. Esse novo perfil influenciou, inclusive, a mudança do layout das lojas da rede nos Estados Unidos. “Lá não temos mais a seção de commodities, por exemplo. O espaço agora é utilizado para corredores mais largos, gerando maior comodidade, além de seções personalizadas, que visam atender públicos específicos”, afirma.
O varejo nacional também precisa se preparar para atender esses novos consumidores. Segundo Sérgio Lage, coordenador de Pesquisa e Análise dos Novos Cenários de Consumo da FIA (Fundação Instituto de Administração), no Brasil as lojas continuam com o modelo de gestão voltado para famílias tradicionais, como o hábito de entrega massiva de produtos. “Além disso, o varejo nacional não consegue se modernizar com a mesma rapidez que as famílias estão mudando”, afirma.
Não só a gestão deve ser modificada, o mix de produtos também precisa trazer embalagens individuais e mais variedade. “Todas as famílias estão mudando o modo de comprar. Antes elas faziam compras por mês, agora é, no máximo, semanal”, lembra Wagner Campos, sócio-proprietário da True Consultoria.
Essas compras mensais são justamente as preferidas de Ila de Oliveira, ilustradora de 28 anos e casada há um ano e meio com o engenheiro de software Ricardo Bittencourt, de 34 anos. “É melhor porque os produtos costumam estragar rápido”, justifica. O gasto mensal com supermercado fica em torno de R$ 1 mil, sendo que a renda familiar é de R$ 8 mil aproximadamente.
O marido almoça no restaurante da empresa, já Ila trabalha em casa e, por ficar sozinha, acaba comendo guloseimas. “Já comprei muito congelado, mas ficou sem graça. Agora prefiro salgadinhos, biscoitos e pão”. Ou seja, produtos de consumo rápido e, principalmente, que não fiquem encalhados na dispensa depois.
Ao contrário dos congelados, que acabam enjoando, os pratos da rotisseria do supermercado continuam sendo aliados. “Quando eu trabalhava fora, sempre preferia comprar marmitex na rotisseria por causa do preço”, conta Ila. Outra família Dinc fã de rotisseria é a da assessora de imprensa Michela Yoshimura, 26 anos, esposa de Marcel Bonatelli, quatro anos mais velho. “Arroz é fácil de fazer em casa, mas com feijão, principalmente aquele mais incrementado, o jeito é recorrer à rotisseria”, diz Marcel.
Da mesma forma que na casa de Ila – a comida do mês estragava –, o casal optou por fazer as compras pequenas diariamente. “Saio do serviço e já compro a comida para o jantar e, no máximo, para o almoço de amanhã”, explica Michela. Com a prática, o caixa do supermercado do bairro ficou mais gordo, já que, quando as compras eram feitas mensalmente, o casal gastava em torno de R$ 400 e, hoje, o gasto chega a R$ 600. “Além de comprarmos mais por impulso, antes eu escolhia o supermercado mais barato, agora compro no mais próximo”.
QUEM SÃO OS DINCS?

  O cálculo de casais Dincs no Brasil é feito pelo cruzamento dos números de mulheres sem filhos e casais com dupla renda colhidos pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. “Lógico que isso deixa lacunas. Por exemplo, em 2007 foi a primeira vez que o IBGE contabilizou os casais gays no Censo Demográfico. Além disso, não sabemos se o cônjuge masculino tem filhos de ex-mulheres”, explica José Eustáquio Diniz, da ENCE (Escola Nacional de Ciências Estatísticas) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O desafio da fidelização
Fidelizar clientes é justamente um dos desafios que o varejo encontra no perfil Dinc. Alexandra Santos, de 33 anos, é casada há quatro anos e meio com seu sócio Thiago Costa, de 30 anos. O gasto do mês com supermercado não é tão alto, de apenas 2,5% da renda total. A razão? Alexandra não compra sem pesquisar. “Olho os preços pela internet, compro marcas diferentes. Sempre procuro produtos de qualidade e mais em conta”, resume.
Traçar o perfil de compra dos seus consumidores e atendê-los de forma completa são os dois pilares da fidelização, segundo Sérgio Lage, da FIA (Fundação Instituto de Administração). “O casal Dinc gosta da comodidade de encontrar o que precisa em um único lugar. Assim ele economiza tempo”, afirma.
Sabendo disso, o Walmart realiza pesquisas periódicas para medir a satisfação do cliente, filtrando estilos de vida e de consumo. A partir desses resultados, a rede procura atender a singularidade de cada perfil. “O nosso foco é a massificação, mas com pequenas customizações que fidelizem cliente”, explica Marcos Carvalho, do Walmart.
Outra característica do perfil Dinc que dificulta essa fidelização do cliente é o conceito de “transumer”, ou seja, consumidores que estão o tempo todo em trânsito. Eles adquirem produtos durante o trajeto – não importa onde – para serem consumidos naquele instante. Esses clientes, segundo Lage, procuram produtos autênticos, novos e que gerem algum tipo de experiência nova. “Fazer boas parcerias com fornecedores é um diferencial”, aconselha.
Utilizar o marketing mobile (por celulares e outros dispositivos móveis) também é importante para chegar até o casal Dinc. “É preciso atingir o consumidor quando ele está no trabalho, na academia, ou seja, no caminho”, exemplifica Lage. Segundo a pesquisa do IBGE, 77,62% dos casais Dincs possuem telefone móvel. “A tendência é explorar o SMS e a geolocalização para fazer ofertas e promoções pontuais”, acredita.
E não basta enviar qualquer desconto, pois os Dincs são bem informados e selecionadores. Lage sugere o serviço de segmentação por “perfilamento progressivo”. O professor explica: “Toda vez que o internauta entra no site da loja para pesquisar, ele deixa pistas, que poderão ser analisadas posteriormente pela rede. O resultado deve vir em forma de uma oferta que atenda esse cliente”.
O modo como essas ofertas chegam até o consumidor também é importante. “O mundo está cheio de informação e, se todo mundo tem, ela [a informação] vira commodity. É preciso explorar a interatividade, com imagens em 3D e amostras grátis. Lembrando que esse consumidor busca boas experiências”, explica Lage.
Amigo de compra
Apesar de o núcleo familiar do arranjo Dinc ser apenas o homem e a mulher, eles normalmente constituem um grupo de amizade. “Casais sem filhos têm a possibilidade de promover festas em casa, viajar com os amigos para praia, ir a aniversários. Uma série de atividades que quem tem filho pensa duas vezes antes de fazer, devido aos gastos e às responsabilidades extras que uma criança traz”, analisa Wagner Campos, da True Consultoria. Marcel e a esposa, por exemplo, não costumam consumir bebidas alcoólicas, mas sempre compram vinhos para presentear amigos.
O autosserviço pode explorar esse círculo social por meio do crossmerchandinsing com produtos para churrasco, fondue ou itens de praia, por exemplo. “Isso não quer dizer que o estabelecimento se tornou elitizado, mas sim setorizado”, afirma Campos.
Promoções de viagens, passeios, desconto em cinema e teatro, para curtir a dois ou com amigos também atraem esses consumidores. Mas lembre-se: os Dincs estão sempre com pressa e não compram produtos em grande quantidade. “Já participei daquelas promoções de cupons, em que você preenche e torce. Inclusive ganhei uma geladeira assim. Não gosto daquelas em que você precisa juntar embalagens e código de barras, pois muitas vezes não são produtos que estou habituada a comprar”, conta a ilustradora Ila.
Comida, só na loja
Apesar do casal Dinc utilizar a internet na pesquisa de preços de alimentos, a preferência na compra de perecíveis ainda é ir diretamente à loja. “CDs, livros, filmes, aparelhos eletrônicos, tudo isso nós compramos pelos sites das maiores redes. Dias atrás até compramos um filtro de torneira. São produtos que não mudam de uma loja para outra. Já no caso dos alimentos, eu prefiro pegar o carrinho e ir ver a cara da comida”, explica a consumidora Alexandra.
Marcos Carvalho, do Walmart, acredita que para haver uma mudança nesse quesito não basta o varejo se mobilizar, pois trata-se de uma característica do comportamento do brasileiro. “O consumidor exige credibilidade na entrega de perecíveis. Mas isso é algo que vai se resolver naturalmente com a relação que as novas gerações tem com os alimentos e a tecnologia.”
FILHOS DE ESTIMAÇÃO

  O casal Dinc é caracterizado por não ter filhos, mas como vivem sozinhos, os animais de estimação se tornam boas companhias. Ila Oliveira tem dois gatos em casa e, apesar de gastar, em média, R$ 80 por mês com os bichinhos, o único produto que ela compra em supermercado é a ração úmida. É que carregar três quilos de ração e 16 quilos de areia todos os meses é complicado, e a farmácia na qual Ila compra esses produtos oferece o serviço de entrega, mesmo com o número reduzido de itens. É um diferencial em relação aos supermercados.
  Outro problema das lojas de autosserviço em relação aos produtos para pets é a variedade. “Potes de plástico, brinquedos e petiscos eu compro em supermercados. Mas a ração escolhida eu só encontro em pet shops”, afirma Michela Yoshimura, dona da poodle Mindy.


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