29 de fevereiro de 2012


Queixas da indústria

Por Alessandra Morita - 20/02/2012
Falta de processos de abastecimento e controle de estoque, além de cobrança excessiva de taxas são os maiores pecados do varejo na opinião da indústria. Mas quem perde são os dois lados

Guarde este número: R$ 20 bilhões. É isso o que o autosserviço alimentar perdeu em 2010 só com ruptura – um dos problemas ocasionados pela falta de cooperação entre varejo e indústria. E, em tempos de crescimento do consumo, o prejuízo sobe a cada ano. Se as previsões mais conservadoras de crescimento do setor – em torno de 5% –, se concretizarem, os super e hipermercados e seus fornecedores perderão mais R$ 1 bilhão neste ano com a falta de produtos. As perdas ocasionadas pela ausência de um trabalho em conjunto são ainda maiores, uma vez que existem prejuízos com estoques elevados, mix inadequado com o perfil do cliente, cálculo equivocado do consumo e da demanda promocional. Não é por acaso que essas são as principais queixas da indústria na sua relação com o varejo. A constatação foi feita por SM em levantamento realizado com 100 executivos da indústria – 49,5% diretores e presidentes e 50,5% gerentes, sendo que 73,7% ficam no Sudeste do País.
O estudo complementa os resultados da pesquisa publicada na edição de janeiro de SM, cuja abordagem eram os principais problemas apontados pelos supermercadistas com seus fornecedores. As duas reportagens – esta e a do mês anterior – fazem parte de uma série sobre as vantagens de o varejo adotar um relacionamento mais cooperativo com as indústrias. Os benefícios são inúmeros, como crescimento de vendas, redução do estoque virtual e da falta de produtos.
Carlos Rondelli, presidente do grupo baiano Rondelli, 31 lojas, lembra das vantagens, como ações mais elaboradas no ponto de venda e maior agilidade na promoção das produtos. "As ferramentas que a indústria pode oferecer são inúmeras e complementam as necessidades do varejo", afirma. Segundo ele, o trabalho cooperativo com os fornecedores ajuda a potencializar as vendas num momento em que o consumo está aumentando. "O mercado se tornou mais exigente. Algumas famílias estão migrando para marcas mais caras e outras incorporando em sua lista de compras produtos novos", avalia. Ou seja: indústria e varejo precisam se adaptar à nova realidade para aumentar ganhos, o que só será alcançado com maior entrosamento.


Um primeiro passo para uma maior colaboração é entender o que mais atrapalha essa relação. Para os fabricantes, assim como aconteceu no levantamento dos supermercados, os principais problemas estão relacionados ao abastecimento: 92,8% dizem ser grave ou muito grave o fato de o varejo não ter bom processo de abastecimento de lojas e de gôndolas e 90,7% apontam a falta de controle de estoques. Rosa Cunha, diretora comercial e de marketing da rede Intercontinental, do Rio de Janeiro, afirma que, de fato, os supermercados enfrentam dificuldades no abastecimento interno. Para ela, mesmo contando com estatísticas geradas pelos relatórios, o grande número de itens presentes no sortimento dificulta a reposição. A rede, por exemplo, trabalha com cerca de 10 mil itens em cada uma das 21 unidades.
"Esse é um dos aspectos em que observamos maior importância da cooperação com os fornecedores", sinaliza. Rosa compara a atuação do supermercado à de um clínico geral, e a da indústria à de um especialista. "O fabricante, por ter um portfólio menor do que o nosso, percebe com rapidez o que está faltando na gôndola. Isso é muito importante porque recebemos milhares de clientes nas lojas todos os dias e não existem sistemas capazes de controlar a ruptura na prateleira", afirma. Para ela, falta orientação da indústria ao promotor, responsável pela reposição. "Ele precisa conhecer o sortimento cadastrado em cada uma de nossas lojas, para saber o que está presente ou não e, assim, evitar ruptura. Isso ainda é raro", comenta.
Quanto aos estoques, Bernardo Fonseca, executivo de compras do Intercontinental, afirma que boa parte do varejo já dispõe de ferramentas de gestão e controle. "Nossa rede, por exemplo, conta com sistemas que permitem acompanhar diariamente o nível de produtos estocados em cada uma das lojas. Corrigimos ainda as falhas adotando inventários físicos, que acontecem a cada 80 dias", explica. A empresa também compartilha dados de estoque e vendas com a indústria para gerenciar melhor o abastecimento. As informações são acessíveis à área comercial e também aos promotores.

"Os fabricantes gostam da iniciativa, mas poucos usam o que oferecemos", comenta Fonseca, acrescentando que é possível encontrar estatísticas abertas por filial. Uma das exceções, segundo ele, é a Piraquê, fabricante de biscoitos. "Nunca tivemos com eles problemas de prazo de validade expirado, falta ou atraso na entrega. Eles acompanham o nível de estoque e o giro dos produtos, e são pontuais como um relógio na visita dos vendedores. Não é à toa que a marca é líder na categoria em toda a rede", explica.

Para 71,7% dos fornecedores consultados por SM, no entanto, a maioria das empresas varejistas não compartilha dados de vendas, margem e comportamento do shopper, o que é visto como um problema grave. Para Ari Kertesz, sócio da consultoria McKinsey, se a troca de informações fosse difundida, as lojas teriam um sortimento mais adequado, o que raramente acontece. "O varejo parte do princípio de que precisa de uma variedade grande de produtos, o que aumenta a complexidade do processo. Já boa parte dos fabricantes concentra esforços em empurrar produto", diz Kertesz. Tudo isso, segundo ele, faz com que o sortimento esteja desconectado das necessidades do consumidor. "Os dois lados precisam ter em mãos os dados do que efetivamente sai pelos checkouts", alerta.
Quem também defende essa necessidade é Luiz Clavis, diretor comercial da Nivea. "Nem todos os clientes estão abertos a compartilhar dados e receber sugestão do fabricante. E os que aderem à prática muitas vezes não têm as ferramentas para gerar as estatísticas", afirma. "Mas a cooperação entre as duas partes já melhorou e continua evoluindo. No futuro, devemos remunerar a equipe de vendas pelo cumprimento de metas de sell out, o que será um grande avanço", avalia.

Para melhorar a performance de seus produtos, a Nivea adotou duas formas diferentes de trabalhar o sortimento em seus clientes. A primeira foi criada justamente para otimizar os resultados nas empresas em que não há troca de dados. Consiste em implantar um mix formado pelos itens de maior giro, aqueles que respondem por 20% a 40% das vendas da categoria. A ideia é abrir mão dos produtos de baixa rotatividade para dar mais espaço e visibilidade aos campeões de consumo. A medida começou a ser implementada em 2011, e projetos-piloto indicaram uma alta de 20% a 30% no giro dos produtos. "Preferimos trabalhar bem com um sortimento básico a empurrar o portfólio completo", enfatiza o executivo. "O único risco dessa estratégia é deixar de ter itens relevantes para determinados públicos", diz ele. Essa lacuna, no entanto, é compensada com a alta nas vendas das versões de alto giro. Nas redes que trocam informações, a Nivea trabalha com um mix extenso, definido loja a loja.
Entre os problemas considerados mais críticos pela indústria, também não poderiam faltar queixas relacionadas aos acordos comerciais: exagero na taxa cobrada para cadastrar produtos e nos enxovais para inaugurações/ aniversários (ambos com 89,7%), falta de transparência comercial (grave/muito grave para 84,2%), e cobrança de multas não especificados em contrato (82,3%). Para Kertesz, da McKinsey, excesso de taxas e verbas faz com que o relacionamento seja mais complexo, pois não envolve apenas a definição do custo da mercadoria. Também exige, segundo ele, ferramentas e análises mais sofisticadas para calcular corretamente os resultados, já que todos esses custos são embutidos no preço do produto.
Iza Yonamine, diretora comercial da Seven Boys, confirma que alguns varejistas ainda têm política de cobrar percentuais excessivos em contrato, além de multas e taxa indevidas. Mas o cenário está mudando. "Já há empresas, principalmente redes regionais e médias, que trabalham com transparência e ética", ressalta. "Não por acaso são as que mais crescem."
MELHOR SEM VERBAS
Ousada na decisão, pequena rede paulista corta verbas da indústria para reduzir preços e cresce 20% ao ano
Supermercado independente na capital paulista, o Pedreira decidiu simplificar a negociação com os fornecedores abolindo a cobrança de verbas e taxas. A prática, adotada em 2004, enfrentou resistência de boa parte dos próprios fabricantes, acostumados com o pagamento e em aplicar a despesa “extra” no custo do produto. “Ainda assim não cedemos”, conta Luiz Faias Jr., diretor da loja, cuja família controla também a rede Bem Barato, com quatro filiais no Grande ABC. “Precisávamos eliminar as taxas, que inflavam o preço da mercadoria, para obter descontos maiores e ganhar competitividade”, explica Luiz. Segundo ele, o público das lojas conhece o preço dos produtos e costuma fazer pesquisas. Logo, a empresa precisava trabalhar em condições de igualdade com os concorrentes. Oito anos depois, o relacionamento com os fornecedores ficou menos tenso. Hoje, a rede pratica preços ao consumidor, no mínimo, 10% inferiores aos de outras redes locais. E as vendas cresceram a taxas de 20% ao ano até 2010, estacionando em 10%.

As empresas convencidas de que o cliente precisa encontrar o produto que quer no momento que deseja sabem que a cooperação é inevitável. Sobretudo neste momento, quando o consumo avança e os hábitos de compra se transformam. São essas companhias que elevarão vendas e lucro, anteciparão tendências e se fortalecerão no mercado. Não por acaso, SM trará, a partir do próximo mês, histórias de cooperação entre varejo e indústria para servir de modelo. Afinal, sempre existem empresas visionárias que transformam queixas em grandes oportunidades.
 O QUE FAZER
 O varejo
Disponibilizar as informações de vendas de produtos a cada fornecedor
Fornecer os dados abertos por loja
Desenvolver um bom sistema de cálculo da demanda
Avaliar o que é mais adequado: cobrar verbas ou melhorar o relacionamento
Em caso de cobrança de verba, definir percentuais que não apresentem impacto excessivo no custo do produto
Estabelecer, nos contratos, as responsabilidades do próprio supermercado e do fornecedor
A indústria
O ideal é ajudar o varejo a definir o melhor mix, testando e analisando os resultados. Empurrar o portfólio todo nem sempre gera boas vendas
Avaliar a melhor estratégia para cada tipo de loja: se trabalhar com o mix de maior giro ou com portfólio completo
Fornecer aos promotores dados sobre o sortimento da loja em que trabalham. Assim, eles poderão identificar rupturas com maior facilidade e abastecer a gôndola com eficiência
Propor mudanças na categoria calcadas em resultados concretos e em pesquisas com o público. 
O varejista precisa sentir onde pisa

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